"Toda vida é yoga"


Parvati (esposa de Shiva) convenceu Shiva a inventar o yoga por compaixão. A vida é dura. A felicidade geralmente é esquiva. Nós adoecemos, ficamos velhos e morremos. Nós nos tornamos vítimas da ilusão de que isto é tudo o que existe. Ao compreender como é difícil manter a perspectiva, Parvati pediu a Shiva que inventasse um sistema que ajudasse as pessoas a lidar com o inevitável sofrimento inerente à vida de um ser humano, e ele fez isso. Portanto, ele é honrado como o primeiro professor de yoga, e ela como a primeira aluna. Na condição de professor universal Dakshinamurti, ele se senta no monte Kailash, no ponto mais setentrional da Índia, de frente pra o sul olhando para baixo para o mundo inteiro, uma das mãos erguidas no gesto que significa: "Não tenha medo"!
Shiva é conhecido como o destruidor, na trindade indiana de Brahma (criador), Vishnu (preservador) e Shiva; mas o que destrói e a negatividade, a ilusão, as coisas que devem desaparecer para dar espaço às novas criações e a um nível mais elevado de consciência. A noção de Shiva destruindo e recriando o mundo em ciclos eternamente repetitivos reaparece na cosmologia do século XXI com a teoria da relatividade de Einstein, e com a descoberta de que nossos corpos estão destruindo e renovando as próprias células de um modo contínuo; nós somos completamente transformados a cada sete anos.
Nos Estados Unidos não obstante toda agitação corrente do mercado e os híbridos horrendos de "yogalates" e "Yogaeróbica", muitas pessoas ainda consideram o yoga como um pouco esotérico, como coisa praticada por homens de cabelos longos e olhos selvagens, vestidos de minúsculas tangas e que conseguem enrolar as pernas no pescoço. Ou isto, ou um tipo de aeróbica para os fracos.
Na Índia, onde o yoga floresceu de uma forma ou outra durante séculos, ele foi uma tendência mais ou menos predominante, dependendo da época. A imagem da figura de pernas cruzadas e cabelos longos que conhecemos como Shiva (o nome significa "auspicioso") tem pelo menos cinco mil anos de idade. Ele se senta sobre uma pele de tigre nas montanhas do Himalaia, meditando; e através de sua meditação, o mundo é mantido. A sua garganta é azul, com uma cicatriz do veneno mortal que ele tomou uma vez para salvar o mundo. O cabelo dele é longo, opaco, e nele moram a lua e o rio Ganges. O seu corpo é coberto de cinzas. Mas embora ele esteja eternamente em meditação, o Senhor dos Ascetas é um homem de família, com uma linda esposa, filhos, animais para cuidar (para não mencionar o universo inteiro) e uma infinita gama de responsabilidades.
Considera-se que Shiva inventou 84 asanas básicos para ajudar as pessoas a purificar o corpo e prepará-lo para a meditação. Esse tipo de yoga é chamado de hatha yoga, que significa um yoga que envolve energia e determinação. 
Ouvi o instrutor de yoga Ramanand Patel explicar o hatha yoga desta maneira: "Pense em uma criança de 4 anos de idade que está determinada a não deixar você levantá-la. Você a ergue, e ela enrijece o corpo; grita, esperneia, não para de lutar com você, embora você seja muito maior e mais forte, sem que haja meio de ela vencer, mas ela não desiste". Isso, disse Ramanad, é a qualidade de hatha. Essa qualidade, aplicada à disciplina física, nos prepara para a disciplina mental e espiritual da meditação, o raja yoga.
Quem pratica yoga sabe que esta prática envolve todo o ser. Não é possível separar, de maneira cirúrgica, a mente do corpo; o que se faz com o corpo afeta a mente, as emoções, os neurônios e a química do corpo. Mas ninguém diz: "Ah! consegui reduzir a acidez dos meus gases sanguíneos", após uma prática satisfatória; em vez disso a pessoa dirá: "Puxa, eu me sinto ótimo"! Só nos é possível tomar consciência de nossa experiência, e a maioria de nós começa com uma consciência pouca apurada. Mas o que se faz no tapete de borracha para yoga leva-se para a vida e vice-versa. Essa prática é como um espelho da vida. Se alguém estiver fazendo esforço excessivo e abusando, talvez faça mesmo em outras áreas da vida. Será que é possível conceber, através da prática, um meio de ser um pouco mais compassivo com as próprias deficiências, com os tendões rígidos, ou com o modo irritante da esposa, por exemplo, que espera que o marido saiba onde está qualquer coisinha? A pessoa acha difícil encontrar tempo para a prática? Ah! Será que não está descuidando da saúde ou do bem-estar espiritual de alguma outra maneira?
O yoga tem a ver, em última análise, com relacionamentos: o relacionamento de espírito e matéria, corpo e alma, intenção e ação, professor e aluno. Somos tanto professor como aluno, em relação a nós mesmos e aos outros também.
Avaliemos cada detalhe da vida e de nossa personalidade e nos perguntemos: se isso mudasse, ou desaparecesse, eu inda seria eu? Sabemos que sim. Existe uma essência que se compartilha com cada pessoa do planeta. Quando dizemos namaste no final da aula, nós invocamos essa unidade. A busca dessa essência é a razão de estudarmos yoga. E essa essência, esse fundamento do ser, isso é Shiva.
Shiva personifica o Um, ser humano cósmico com infinitas formas, mas uma só essência. Nas histórias, nós o vemos como amante, marido desolado, guerreiro, homem de família, professor, intercessor pela comunidade, o contemplativo imóvel nas montanhas e o dançarino que se move eternamente nas chamas. Ele é livre para se envolver com todas as coisas, sem fiar limitado por nada. Essa liberdade é o fruto do yoga.


Livro: Asanas e Parábolas
Autor: Zo Newell
Editora: Pensamento 

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