Pratyahara - remar contra a maré....

Em sânscrito pratyahara significa literalmente "avançar na direção oposta". O movimento normal dos sentidos é fluir para fora, onde encontram os objetos do mundo e os identificam e interpretam com a ajuda do pensamento. Os pensamentos provavelmente serão de aquisição (eu quero), de rejeição (não quero) ou de resignação (não há que eu possa fazer). A chuva, por exemplo, suscitará essas três respostas em ocasiões diferentes. Pratyahara quer dizer, portanto, "remar contra a maré", uma retração difícil, razão por que muitas vezes é comparada à tartaruga que recolhe a cabeça, a cauda e as quatro patas dentro do casco. O iogue simplesmente observa o fato. Ele pode dizer ou pensar "Está chovendo", sem nenhum desejo ou julgamento.
Para entender como isso é difícil, imagine o simples exercício de sair para caminhar e tentar não comentar, julgar ou nomear o que você vê, ouve ou cheira. Esse quase irrefreável impulso taxinômico demonstra que estamos sempre indo de encontro das coisas. Não somos naturalmente receptivos e polidos. Não conseguimos olhar o pôr-do-sol e saudá-lo com olhos brandos e receptivos. Nossos olhos são minuciosos, faiscantes e aquisitivos, como se a vida fosse uma farra sem fim no supermercado. Paradoxalmente, nosso desejo de controlar - por meio da descrição, da interpretação e do consumo - rouba-nos grande parte do aroma, do sabor e da beleza da vida. A capacidade de recolher os sentidos e assim controlar a mente ruidosa pode parecer desmancha - prazeres, mas na verdade ela restaura sabores, texturas e descobertas originais que associamos à inocência e ao frescor da infância. Esse é um exemplo real de que "menos é mais", pois se entregar demais aos prazeres pode apenas embotar e fatigar os sentidos.
O propósito do pratyahara na ioga é fazer a mente se calar para que possamos nos concentrar. enquanto os sentidos nos importunam com seu desejo de gratificação, nunca teremos um momento para nós mesmos - ou, no sentido de busca interior, para nosso Eu. É um longo aprendizado de desapego, que requer paciência. Certa vez, um sujeito espirituoso disse brincando que a única maneira de nos livrar da tentação era ceder a ela. Em tese, todos sabemos que isso é falso, mas evitar simplesmente ceder aos desejos não põe fim a eles. A maioria de nós finge acreditar que, com um autocontrole razoável, será capaz de dominar o desejo. Isso é quimera. A ausência de vícios é um passo para a virtude, não a própria virtude. A ioga situa o órgão da virtude (dharmendriya), ou consciência, no coração, e este deve ser puro. Nem mesmo se retirar para uma caverna no Himalaia faz o desejo desaparecer. Longe disso. Apenas dificulta sua gratificação.
A involução gradual dos sentidos e a pacificação da mente com o auxilio da respiração preparam o praticante para a concetração e a meditação. Involução significa "voltar-se para dentro". Não é uma  ruptura. "Como uma rosa que se fechasse em botão novamente". Essa é uma boa descrição do pratyahara.
É por essa razão que a respiração tem um papel tão essencial. A consciência (citta) e a energia vital (prana) são parceiras constantes. Seja lá qual for o foco da consciência, lá deve estar também a energia do prana, e aonde quer se dirija a energia do prana, a consciência segue. A consciência é impelida por duas forças poderosas: a energia (prana) e os desejos (vasana). Ela se move na direção da força mais intensa. Se a respiração (prana) prevalecer, então os desejos são refreados, os sentidos se mantêm sob controle e a mente se aquieta. Se a força do desejo está em vantagem, a respiração se torna irregular e a mente fica agitada. São coisas que você pode observar, assim como observa a medida e o equilíbrio corretos no ássana (postura de yoga). É por isso que a prática de ioga leva ao autoconhecimento (svadhyaya). Você não chegará ao conhecimento do Eu Divino sem conhecer a si mesmo. A prática é seu laboratório, e os seus métodos devem se tornar ainda mais penetrantes e sofisticados. Seja no ássana ou no pranaiama, a consciência do corpo se expande para fora, mas os sentidos de percepção, a mente e a inteligência devem voltar-se para dentro. A prática de ássanas e pranaiama, requer a percepção sensível das diferenças entre cada ação, bem como os necessários ajustes. Mais tarde, aprendemos a observar a própria mente e seus movimentos e, finalmente, a mantê-la estável e quieta.
As técnicas de ioga nos oferecem a oportunidade de capturar a energia externa e interna e usá-la para nossa evolução pessoal. A prática do ássana limpa os canais internos para que o prana se mova livre e desimpedido. Se os nervos estão corroídos e obstruídos pelo estresse, como o prana pode circular? A prática dos ássanas e do pranaiama remove a divisão que separa o corpo da mente. Juntos eles dispersam a escuridão e a ignorância. Em certo sentido, é a prática dos ássanas que abre a porta para a perfeição. Ela rompe a rigidez e a resistência do corpo interno. Com isso, a respiração sem ritmo se torna ritmada, profunda, lenta e reconfortante. O pranaiama, por sua vez, limpa e acalma o cérebro febril, abrindo caminho para a razão e a clareza de pensamento e elevando a mente rumo a meditação.
O prana é a grande força vital do universo. Há dentro de nós uma testemunha que chamamos de Alma ou "Aquele que vê". Para permanecer no corpo, ela depende da respiração.
B. K. S. Iyengar

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